sexta-feira, 25 de maio de 2007

As operações da polícia federal e os limites da liberdade de informar

Qual o limite entre o interesse público e o interesse do público?
Qual a linha divisória entre o direito à informação, exercido por uma imprensa livre, e o segredo de justiça decretado em investigações e processos judiciais?
O meu objetivo é esclarecer com as respostas a essas questões a grande polêmica que se instalou no país com as ações da polícia federal e o vazamento de informações do inquérito em curso por ordem da Ministra Eliana Calmom, do STJ, que o preside.
Sobraram farpas para todos os lados, entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, e até mesmo para o Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Estamos vivendo um tempo novo, com mudanças significativas na depuração do estado brasileiro. Os fatos são bem antigos, a corrupção do estado já foi tratada com muita indignação por Ruy Barbosa no início do século XX, e nada mudou. Ao contrário, as práticas se multiplicaram e foram aperfeiçoadas, e há pouco tempo o poder judiciário brasileiro passou a investir contra a criminalidade do “colarinho branco”, e isto só foi possível com a melhoria da qualidade da polícia judiciária federal.
É preciso deixar claro também que a polícia, assim como o ministério público, na investigação criminal necessita do controle judicial de suas ações. A polícia e nem o ministério público podem decidir sozinhos sobre busca e apreensão e prisões de suspeitos, eles solicitam ao juiz competente (juiz, desembargador ou ministro, conforme o caso e a lei) o deferimento do pedido, cabe ao juiz analisar e decidir conforme a lei e com os cuidados necessários.
O que estamos assistindo, pelo olhar do telespectador ou do leitor, é que o que deveria ser uma prática rotineira está virando um espetáculo midiático. As operações da polícia atendem mais aos interesses do jornalismo sensacionalista do que aos interesses de investigação isenta de vaidades e paixões, capaz de produzir as provas necessárias para uma condenação.
Nem sempre o que é de interesse do público (diga-se da curiosidade natural dos jornalistas) é também interesse público (interesse do estado na investigação e na condenação dos que cometem delitos), por exemplo, quando o fato ainda em investigação com a dimensão das últimas operações desencadeadas pela polícia federal chega a imprensa antes que se conclua um inquérito e o ministério público analise as provas e decida promover a ação penal competente, as pessoas investigadas já foram processadas e condenadas pela opinião pública, e se inocentes, não haverá indenização capaz de restaurar o dano causado.
O tempo da imprensa é diferente do tempo da justiça. A condenação pela opinião pública pode ocorrer mesmo sendo as provas insuficientes, mesmo que não haja provas. O cuidado que devemos ter é preservar uma das conquistas mais importantes da modernidade que são as garantias e os direitos fundamentais, entre eles, os de garantir a todo e qualquer acusado o devido processo legal – ou seja, ser processado na forma da lei existente e com direito ao contraditório e a ampla defesa -, e sendo então condenado e transitada em julgado a sentença penal condenatória não existirá mais dúvidas quanto a autoria do delito e se imporá a este todas as conseqüências do seu ato criminoso. Isto deve valer para todos: ricos, pobres, pretos, brancos, índios, pardos, alfabetizados e analfabetos, feios e bonitos, homens e mulheres, enfim, sem exceção alguma.
No entanto, quando se abre uma única exceção coloca-se em risco o princípio, e abre a possibilidade de vulnerar direitos que foram conquistados durante séculos de lutas e com muito derramamento de sangue e com muitas injustiças.
Assim, a idéia de que tudo é interesse do público, pode ser muito mais nocivo do que positivo, embora nada impeça a imprensa de cobrar os resultados da investigação e do processo ao seu final, cobrando inclusive a sua celeridade.
A segunda questão diz respeito ao direito à informação, consagrado na Constituição brasileira, e que tem por corolário a garantia de uma imprensa livre. Com o estado moderno, o estado de direito, inaugura-se uma fase onde nada mais é absoluto. Aliás, a grande luta foi contra o absolutismo dos monarcas. Por que então agora admitiremos outros “monarcas”? Sejam eles hoje: a imprensa, o judiciário, o executivo, seja quem for; o estado de direito, e mais ainda, o estado democrático de direito, impõe a todos nós limites – os limites da lei.
Por isso a liberdade de imprensa não poderá ser absoluta de modo a ferir outros direitos fundamentais iguais em dignidade, como por exemplo, a honra, a imagem, a intimidade e a própria lei.
O segredo de justiça dos atos judiciais está garantido na própria Constituição, logo tem o mesmo status da liberdade de imprensa, pois o segredo de justiça existe para preservar também direitos fundamentais.
É certo que a mídia como fenômeno também econômico vive em busca de assuntos que vendam jornais, que aumentem o número de telespectadores ou de ouvintes, e ainda aumente o número de acessos à internet. Porém, não justifica que a pressa para ganhar dos concorrentes transforme o noticiário num show de irresponsabilidades e gritantes ofensas a direitos fundamentais.
A quebra do segredo de justiça por policiais, membros do ministério público ou de membros e funcionários do judiciário é fato muito grave que deve ser apurado e responsabilizado criminalmente os infratores.
Os veículos de comunicação, por outro lado, podem sofrer no futuro com pesadas condenações por danos morais.
Lembrem-se do caso da “escola base” de São Paulo. Ou então, do velho ditado popular: “gato escaldado tem medo de água fria”.

2 comentários:

  1. Prezado Profº Anselmo, apresento-lhe meus comentários a respeito do tema:

    Como estudante de Direito achei o artigo extremamente oportuno e superinteressante. No meu entendimento,o texto serviu como uma aula prática. A prática da teoria vista em sala de aula. Excelente instrumento didático.

    Como simples cidadão e engenheiro construtor, jamais ratificaria o absolutismo do Direito á Informação embasado no Interesse Publicado. E, causa perplexidade o vazamento de informações do segredo de justiça garantido pela nossa constituição. Portanto, quem seria o pior dos vilões? Os lobistas construtores acusados ou os vendedores de segredo de justiça?
    O Poder Judiciário, como defensor dos direitos e garantias fundamentais, tem procedimentos cirúrgicos suficientes para debelar essa sangria.

    Entretanto, apesar dos percalços, vejo que estamos vivenciando uma oportunidade ímpar, deveras inimaginável, para uma faxina considerável no quintal do relacionamento incestuoso entre o Estado e Empreiteiras. Não podemos perder esta oportunidade de revogar a famigerada " lei do gerson ", em todas áreas, e de punir, constitucionalmente, todos aqueles que possuem uma visão prostibular do dinheiro público. Chega de lobista com a empáfia da riqueza ilícita posar de autoridade e fazer escola, a escola da arte de corromper.

    Abraços caro professor.
    Carlos Henrique de Carvalho, aluno de Direito da Fase.

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  2. Olá Dr. Anselmo, parabéns pelo artigo escrito, pela coerência com a sua formação intelectual no Direito Constitucional.

    Abraços!

    Edvânio Dantas dos Santos
    Assessor de Juiz da 8ª Vara Criminal

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