sexta-feira, 13 de julho de 2007

Entre o estelionato e a calúnia

Existem discursos que devem ser analisados e esclarecidos, pois confundem a opinião pública muito mais do que explicam. Este é um dos problemas da retórica desde a Grécia clássica entre os seus filósofos.

O discurso de que venho tratar se refere à questão ensino jurídico brasileiro após dois fatos: o primeiro foi o resultado do exame da ordem dos advogados do Brasil que pela primeira vez reuniu 17 estados e mostrou que o nordeste é muito melhor preparado que o sul e sudeste, e Sergipe ficou em primeiro lugar com mais de 40% de aprovação para uma média nacional em torno de 18%, ou seja, percentualmente Sergipe teve mais que o dobro do aproveitamento da média do Brasil. O segundo fato foi a decisão do Ministério da Educação em autorizar cerca 20 cursos novos de direito, dos quais 02 em Aracaju, e que a OAB tinha opinado apenas em favor de um, em São Paulo da Faculdade Zumbi dos Palmares.

O discurso tanto do Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB federal, como do Presidente nacional, Cezar Britto, como do Presidente da regional em Sergipe, Henry Clay Andrade, foi único: que era um absurdo, que o mercado estava saturado e é baixo o nível do ensino jurídico do país.

Pretendo de maneira objetiva comentar e desvelar o discurso dos eminentes advogados como alguém que vivencia o ensino jurídico há 19 anos como professor e operador do direito, como advogado durante 07 anos e como magistrado há quase 18 anos.
Visando facilitar a análise proponho algumas questões e que em seguida passarei a respondê-las.

Primeira questão: É possível em um Estado capitalista conforme anuncia a Constituição brasileira de 1988 em seu art. 1º, inciso IV, ao informar que a República Federativa do Brasil tem por um dos fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e ainda, o direito fundamental garantindo à todos “o livre exercício de qualquer trabalho ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” conforme o art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, impedir o acesso do cidadão brasileiro ao curso de direito?

Segunda questão: De acordo com a Constituição brasileira em vigor em seu art. 209 “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação pelo Poder Público.” Uma entidade corporativa como a OAB pode colocar-se como o Poder Público?

Terceira questão: O Brasil, com apenas 18% dos que concluem o ensino médio chegando à universidade, pode se dar ao luxo de impedir o acesso ao ensino superior, neste caso, ao curso de direito, apenas para garantir o mercado para os advogados que já existem? Não seria isto uma forma de privilegiar apenas uma parte da sociedade e aquela já detentora dos privilégios de melhor renda e melhores condições de vida?

Quarta questão: Qual seria a contribuição efetiva da OAB para uma melhor qualidade do ensino jurídico do Brasil?

À primeira questão podemos responder que é uma ofensa ao Estado constitucional brasileiro se pensar em uma economia planificada no molde do modelo comunista onde o número de profissionais é determinado pelo Estado para atender exclusivamente as necessidades sociais, pois colidiria com o fundamento da livre iniciativa do art. 1º e decretaria a morte do inciso XIII do art. 5º que garante a liberdade de se exercer qualquer atividade ou profissão, ambos dispositivos da nossa Constituição, elevadas à categoria de “cláusulas pétreas” que impedem até mesmo a propositura de emenda à constituição conforme o art. 60, § 4º, inciso IV. Conclui-se que a resposta é que não se pode impedir que nenhum brasileiro ou estrangeiro residente no país possa ter acesso a um curso de direito.

Respondendo à segunda questão podemos afirmar que o ensino privado está garantido na Constituição e somente o Poder Público, especificamente, o Poder Executivo, pode proporcionar os meios de acesso à educação, conforme o art. 23, inciso V, de acordo com as diretrizes e bases da educação editadas pela União que tem competência privativa para legislar de acordo com o art. 22, inciso XXIV, também da Constituição Federal. Logo, a OAB não tem competência constitucional para autorizar nenhum curso superior, mesmo os de direito. A OAB pode contribuir com a sua opinião que não vincula para decisão das autoridades da educação do Poder Executivo, estas sim, investidas da condição de agentes do Poder Público conforme a Constituição podem dar a última palavra.

Quanto à terceira questão proposta é preciso entender que apesar dos números apresentados de estudantes de direito no país ainda somos inferiores ao Paraguai na garantia do acesso ao ensino superior. E quando se compara aos Estados Unidos esquecem de informar à população, pois esta desconhece que naquele país pela riqueza e oportunidades não é o sonho do jovem americano subir na vida através de concursos públicos na área jurídica ou através da advocacia. São realidades diferentes. O Brasil desde o Império é o país que sempre privilegiou os bacharéis em direito, pois eles eram formados para assumir a burocracia do Estado. A inclusão social de milhões de jovens brasileiros principalmente através de concursos públicos para cargos antes entregues sem concurso apenas aos filhos da elite se dá pela via dos concursos jurídicos para a magistratura, o ministério público, a advocacia pública, a defensoria pública, e cargos na administração pública federal, estadual e municipal. Negar o acesso dos jovens, especialmente os oriundos das classes mais simples e que estão nas faculdades privadas é sinalizar concretamente para a continuidade da perversa exclusão que atinge a maior parte da população brasileira.

Com relação à quarta questão creio que a maior contribuição que a OAB pode dar para a melhoria do ensino jurídico é através do seu exame de ordem nacionalizado e realizado por instituições acreditadas na comunidade acadêmica para se tornar ao lado do ENADE – Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes e do SINAES – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior do INEP/MEC, verdadeiros instrumentos para que as faculdades de direito que não preencham critérios objetivos e transparentes de qualidade possam ser fechadas.

Por essas razões, quando ouço do Presidente da OAB de Sergipe, Henry Clay Andrade, que foi meu aluno na faculdade, generalizar ao afirmar que os cursos autorizados pelo MEC sem a concordância da OAB são “verdadeiros estelionatos educacionais” merece toda a minha desaprovação. Sendo o estelionato um crime tipificado em nosso Código Penal, acusar alguém de um crime sem qualquer prova também é crime, a exemplo da calúnia, tipificada no art. 138, do nosso estatuto penal. Uma das qualidades da retórica é o comedimento das expressões. O presidente da OAB em Sergipe precisa dizer com todas as letras quais são os cursos em Sergipe que estão cometendo estelionato, sob pena de ficar para a sociedade como alguém que na defesa dos interesses corporativos foi capaz de caluniar professores, gestores e empresários do setor privado de educação. Nunca foi esta a lição que ensinei ao longo da minha carreira de professor universitário aos meus alunos.

Um comentário:

  1. Prezado Profº Anselmo,
    como acadêmico de Direito e egresso das ciências exatas, desejo colocar minha opinião sobre a polêmica em questão.

    Eu, também, anos atrás, possuía essa visão obtusa de que: quanto mais diplomados em engenharia, pior a qualidade profissional acolhida e, somente as instituições públicas detinham o monopólio da competência cognitiva e pedagógica. Ledo engano.
    Via de regra, as instituições privadas estão demonstrando grande eficiência na gestão pedagógica,organizacional,física, estrutural e na colocação de recursos humanos no mercado. O corpo docente privado nada deixa a desejar com relação ás IFES e Estaduais, o que se pode traduzir: para quem desejar sair bem preparado, existe ferramental cognitivo adequado.
    Em ambos os pólos de formação profissional existem docentes travestidos de educadores que apenas simulam um sofrível ensinar. Porém, existe uma pequena grande diferença: nas instituições privadas eles são identificados e demitidos; nas públicas, raramente são dispensados.
    Creio eu, que a grande diferença está na qualidade do jovem aluno, na sua maioria egresso de escolas públicas, que não consegue adentrar nas instituições federais ou estaduais, mas que tem o direito fundamental da oportunidade de uma formação profissional superior, principalmente no nosso país, onde existe a dicotomia social discriminativa e perversa, do ser ou não ser "doutor".
    Evidentemente, as instituições públicas possuem ilhas de excelências, notadamente na pós-graduação strictu sensu, a nível de doutorado e pós-doutorado, onde as instituições privadas não conseguem concorrer. Investimento em pesquisa de médio ou longo prazos não faz parte da cultura do empresariado nacional, mesmo sendo universidades privadas. Nesse mister, as instituições privadas possuem o fóco colimado em resultados concretos e precoces, não investem em demandas, até do tipo começar-se do nada e chegar-se a coisa nenhuma.
    No tocante a qualidade do diplomado neste universo de oferta maior do que a demanda, tenho a seguinte experiência: o mercado é o grande avaliador; o profissional moderno tem de esticar seu pescoço como diferencial acima da multidão profissional e mostrar-se competente pois, esse é o requisito imposto, imperiosamente, pela força do mercado, mesmo que o profissional tenha sido brilhantemente aprovado em avaliações proficientes de notáveis associações profissionais. abraços, carlos henrique, aluno de Direito/Fase.

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