terça-feira, 29 de setembro de 2009

DISCURSO NA COLAÇÃO DE GRAU DA SEGUNDA TURMA DE DIREITO DA FASE

Caríssimos,

Boa noite!
Não querendo nos delongar demasiadamente nas formalidades iniciais, saúdo todos os que compõem a mesa na pessoa de nosso sempre presente Diretor Geral (Prof. Gilberto Carvalho Martins) e, desde já, quebrando o protocolo, dirijo-me a vocês – caríssimos alunos que se fazem colegas nesta infindável luta pelo direito:
Entretanto, não sem antes enaltecer a feliz escolha que essa turma fez ao eleger os 3 professores diretamente homenageados – Anselmo, América e Miriam. Na quinta à noite, no culto ecumênico, Prof. Anselmo, emocionado, comentava que depois de todos esses anos de ensino é a primeira vez que é homenageado e, meu caro amigo, em verdade, digo-lhe que isso é algo a ser levado em consideração – não é nada fácil ser coordenador (pois, para esta turma você é o legítimo coordenador, aquele que lançou as primeiras sementes e me chamou para me juntar a esse sonho exatamente no semestre subseqüente ao ingresso deles no curso) e conseguir estreitar de tal forma os laços de admiração a ponto de ser o nome da turma. E se esta homenagem veio agora, após tantos anos de dedicação ao ensino, de certo é a prova mais concreta que aqui na FaSe você encontrou campo fértil a sua semeadura – a semeadura das idéias libertárias, da construção de um curso de direito que acolhe o corpo discente como co-autor da obra final e que, por isso mesmo, vem fazendo a diferença na comunidade jurídica sergipana... E para compor essa tríade, temos nossas queridas América e Miriam – que aliam bem esse ideal transdisciplinar que é outro ponto forte de toda a construção de nosso curso de direito: viés do “imaginário”, da filosofia e sociologia com o viés da vivência prática do direito que não descuida dos ideais da justiça e da equidade.
Por que resolvi iniciar minha fala mencionando essa sábia escolha?
Porque, a meu ver, ela indica a afinidade entre corpos discente e docente (nosso ponto mais forte) – vez que agora em última eleição para composição do colegiado do curso de direito (agora em junho deste ano), em que os membros são escolhidos pelos seus pares, foram justamente esses 3 professores os escolhidos para compor, junto comigo (como coordenadora, ocupo o encargo de presidente do colegiado) e com Profa Maria de Fátima (eleita representante da área de formação básica), esta versão atual do colegiado do nosso curso.
Será mera coincidência??? Obra do “acaso”??? Mistério???

Há coincidências que, surpreendentes, convencem-nos de que está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, aleatórios. Talvez sejam as palavras de Guimarães Rosa (no conto "O espelho", em Primeiras estórias), as mais explicativas para o caso: "Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo".
Como não acredito em meros acasos, então, essa aparente e misteriosa coincidência, denota exatamente essa afinidade de que falei há pouco entre os corpos discente e docente do curso de direito da FaSe – que nos dá a todos essa sensação tão intangível de “pertencimento” e, como já afirmei, faz toda a diferença...

Pois bem...

Quando me dei conta que dentre as missões da coordenação estava esta de dizer-lhes algumas palavras num momento tão único na vida de cada um de vocês, confesso que fiquei a pensar – quais são as palavras certas??? Digo-lhes isso como uma confissão, até mesmo porque temos por costume acreditar que as falas numa solenidade como esta – um verdadeiro rito de passagem – deveriam ser reservadas aos verdadeiros sábios, sabedoria que não se confunde com conhecimento, mas aquela adquirida com as experiências dos anos bem vividos... E muito não teria a acrescentar a respeito de tal experiência, portanto, me valerei da coragem desbravadora e até meio kamikaze, tão própria da juventude.
Assumi a incumbência, a convite de Anselmo de com ele co-coordenar o curso (assisti-lo, enfim) em 2005 e tudo foi acontecendo tão naturalmente que a transição que se operou no início deste ano foi absolutamente tranqüila, de modo que não tinha me dado conta, formalmente falando, claro, do tamanho do desafio – e agora, aqui estou eu, com minha primeira turma se graduando, a segunda turma de formandos do curso de direito da FaSe... Lá se vão 5 anos desde então, meus caros...
Então, quais são as palavras certas??? Existem palavras certas senão aquelas que brotam do coração???
Falar-lhes-ei, portanto, de todo o coração...

“O fim do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.” A luta pelo direito é vista como algo vital, necessário e inerente ao ser humano. Necessário como pão, como água. Essa luta que prega Ihering é uma luta cheia de energia vital, repleta dos fluidos mais íntimos do ser.
Todas as formas de resistência são louváveis e, em grande medida, imprescindíveis na busca e construção de um mundo mais humano.
E nos valemos aqui não da luta armada, mas, da luta cotidiana, da luta como “resistência pacífica”, tal qual advogada por Gandhi, como bem o expressa nesta máxima: “A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitoria propriamente dita.”
Um mundo melhor - realmente igualitário - somente quando nos conscientizarmos da perversão que os nossos valores atuais provocam em boa parcela da humanidade. Talvez somente quando esta transformação se imponha como necessária à própria sobrevivência da raça humana, quando muito além de uma opção simplesmente fraternal passe a ser percebida como opção sine qua non de sobrevivência.
Somente uma alteração no padrão de consciência da humanidade poderá nos levar a um mundo melhor. Prognósticos de como se dará uma tal transformação em nossos valores intrínsecos não passam de mero exercício especulativo. Quiçá não precisemos vivenciar um mundo completamente subdividido em guetos para nos darmos conta do nosso erro de percepção.
Se chegarmos a esse ponto (quem viver verá), certamente não haverá escolha que não repensarmos os nossos valores a fim de construirmos um mundo onde seja novamente possível uma convivência pacífica entre nossos pares, onde o valor dado à vida humana finalmente seja maior que o valor conseguido com a exploração desta vida. Onde realmente possamos vivenciar a cidadania. Onde finalmente seja possível que o óbvio seja enxergado pela maioria neste planeta: a felicidade é muito mais simples e muito menos “cara” do que nos parece à primeira vista.
Um novo mundo será possível quando formos um pouco mais tolerantes para sabermos conviver e administrar pacificamente as diferenças; menos materialistas para sabermos encontrar a felicidade numa forma mais sustentável de vida, com menos acúmulo material; menos individualistas para sabermos compartilhar com o próximo, sem explorá-lo ou extrair-lhe alguma vantagem por conta disto; enfim, mais lúcidos para conseguirmos respeitar nossos próprios limites e, por reflexo, os limites do planeta em que vivemos e dos outros seres humanos com quem o dividimos.
Ratificando esse pensamento, agora novamente nas palavras daquele denominado como “grande alma”, Mahatma Gandhi, “A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.”
E é essa capacidade de transcendência inerente ao ser humano – tão contraditório – que me mantém tão otimista no futuro da humanidade, apesar de tantos evidentes desacertos.
É esta luta por um mundo melhor, certamente, assim espero, que trouxe a maioria de vocês aos bancos da Faculdade de Direito – tantos já como uma segunda opção, abrindo mão de tantas coisas do dia-a-dia (convívio familiar, filhos, ou o simples lazer)... Vocês são uma pequena demonstração dessa capacidade de transcendência do ser humano impulsionada pela nossa capacidade de sonhar (vocês acreditaram neste curso quando ele era ainda quase um sonho, tudo ainda eram promessas, que, para alegria de todos nós, e pelo comprometimento de todos nós, se tornou essa realidade que vivenciamos hoje: uma promessa de um projeto diferenciado; uma promessa de uma prática real que cumprisse um compromisso com a responsabilidade social – e temos aí nosso Escritório Modelo; uma promessa de que vocês pertenceriam a um curso de direito diferenciado pela qualidade de seu corpo docente – e temos aí um IGC 3 e uma expectativa de reconhecimento de curso com conceito muito bom, após a passagem bastante tranqüila da comissão do MEC na semana passada). Eram promessas que, porque vocês acreditaram e sonharam, junto com todos que compõem essa instituição, hoje se faz realidade...
Continuem como garimpeiros, buscando o aparentemente impossível, dando o melhor de si sempre, acreditando que essa é a única forma de transformar o mundo – cada um que faça a sua parte nesta luta e a colheita será farta e doce!
Fiquemos, neste sentido, com as palavras de um dos maiores ícones do direito, Rui Barbosa, em sua emblemática obra “oração aos moços” (famoso discurso que Rui não pode proferir pessoalmente, por motivo de saúde, em 1921, perante a turma de 1920 da Faculdade de Direito de SP): "o saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam no espírito que os assimilam. Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas".
Finalizo parabenizando cada um de vocês, sempre queridos alunos, embora, a partir de então, colegas, sem os quais o sonho de transformar o mundo jamais se tornará real...
Um beijo no coração de cada um,

Profª Daniela Costa
Coordenadora do Curso de Direito da FaSe

2 comentários:

  1. Sinto-me feliz com as possibilidades de encontros entre nós... E honrada em ser uma interlocutora com o campo do Direito.

    Profa. Fátima Lima

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  2. Belíssimo discurso.Da Professora Daniela, além da beleza que nos encantou, vou sempre levar muitos ensinamentos, pois esse discurso é só uma ponta do todo que ela transmitiu durante nossa caminhada acadêmica. Sua dedicação e merecimento a levou naturalmente ao cargo de Coordenadora, ela merece e ainda vai encantar muitas e muitas turmas que virão.

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